terça-feira, 12 de maio de 2009

Manchete de Jornal

Josué tinha acabado de chegar ao chalé, porém estava só. Sua esposa havia falecido na semana passada, então ele apenas colocou a casa a venda e partiu para o chalé nas montanhas.
Ao chegar a casa, um pequeno filhote de cachorro estava sentado à beira da porta. Josué já sensibilizado com sua perda sentiu pena do pequeno animal e o acolheu.



Estar ali sem ela, era muito doloroso, porém foi nesta casa que passaram seus dias mais felizes e no momento ele queria estar próximo dessas lembranças. Lembrou-se do seu ultimo aniversário de cinqüenta anos comemorado ali no ano passado, chegou a sentir o cheiro dos doces da festa que ela fizera.

A dor da saudade começou a apertar e para se distrair um pouco, resolveu que iria remanejar o jardim, que ela tanto amava. Procurou algum papel onde pudesse anotar o que precisaria trazer da cidade, pois não poderia confiar em sua memória.

A cidade mais próxima ficava a cem quilômetros, teria que sair bem cedo, pois ao entardecer começava descer uma espessa neblina.

Continuou a procurar, foi quando viu um pequeno livro empoeirado caído atrás da cadeira de balanço. Folheou o livro, estava em branco, uma coisa bem incomum para um livro, pensou ele.
Já estava escurecendo, ele fechou a porta, acendeu a lareira, colocou água no fogo para fazer um café.

O cachorrinho já havia escolhido um lugar confortável para dormir ao lado da lareira.
-Preciso escolher um nome para você amiguinho, disse ele afagando o animal que parecia estar muito cansado, pois dormia profundamente.

-Vou chamá-lo de Faísca.Teve essa idéia quando viu pequenas faíscas da lareira cairem sobre ele e o pequeno animal nem ao menos se mexia.

Pegou sua xícara de café e o livro encontrado. Foi sentar-se para anotar o que precisaria e de repente sentiu-se muito só, um vazio enorme o dominou e ele chorou de saudades.

Por alguns minutos permitiu que aquele sentimento tomasse conta de seu coração, deixou que as lágrimas corressem, afinal foram trinta anos ao lado de sua esposa a quem ele sempre amou até seu último suspiro.

Tomou um gole de café e tentou se recompor, pegou a caneta com as mãos trêmulas e começou a anotar na primeira folha.

Dois sacos de fertilizantes
Três sacos de terra vegetal
Uma pá
Sementes de Petúnia, Papoula e amor-perfeito.
Arame para a cerca
Luvas
Mangueira
Um saco de ração para o Faísca.

-Acho que não esqueci nada, falou ele sozinho.
Olhou novamente se a casa estava toda trancanda, pois apesar de ser um lugar muito tranquilo era também muito isolado. Deu boa noite ao Faísca que novamente nem se mexeu, e foi dormir.
Acordou bem cedo com Faísca lambendo seu rosto e pulando de um lado para o outro.
-Está bem já estou levantando.

Olhou no relógio eram 06h30min da manhã.

-Você acorda mesmo cedo. Meu Deus, sou um velho tolo, esqueci que você também tem suas necessidades, desculpe, venha faísca.

Abriu a porta e um ar muito frio o fez tremer, mas Faísca correu, cheirando tudo e foi fazer suas necessidades do lado de fora da casa, o que Josué achou muito bom.

De repente ao olhar para a parede do lado de fora bem embaixo da janela, qual não foi sua surpresa quando viu algumas coisas que ontem não estavam ali.

Esfregou os olhos, olhou novamente, achava até que estava sonhando, mas era real.
Chegou mais perto para ver o que era, pois sendo muito cedo ainda havia um pouco de neblina. Ficou ali parado de boca aberta, saiu correndo, voltando com o livro contendo a lista de itens que deveria comprar.
Ali bem na sua frente estavam todos os itens da lista um por um até a ração do Faísca.
Não consigo compreender, pensava ele.

De repente sua atenção foi desviada quando uma mulher aparentando ter uns cinqüenta anos se aproximava um tanto quanto afobada.

-Senhor, por favor, meu carro quebrou a mais ou menos um quilometro daqui, simplesmente parou, não sei o que houve, talvez tenha congelado. Falou isso quase totalmente sem fôlego.

-Calma senhora, entre, por favor, está muito frio e o seu carro não irá a lugar algum mesmo.
-Me desculpe estou tão distraída que não me apresentei, meu nome é Marta.
-Muito prazer, o meu é Josué, vamos entrar.

Todos entraram, inclusive o pequeno Faísca que muito curioso cheirava a visita.
Ela sem cerimônia pegou ele no colo e Faísca adorou isso.
Josué foi preparar um café enquanto ela brincava com o cachorro.
Logo, ela estava mais descansada e aquecida e começou a falar.

Contou entre outras coisas que era viúva e morava a uns quinhentos metros dali, estava indo para cidade comprar seus medicamentos quando seu carro resolveu parar. Disse sorrindo que às vezes parece que seu carro tem vontade própria.

-Não se preocupe, vamos até lá dar uma olhadinha e quem sabe, eu o convença a continuar, disse Josué rindo também.

Faísca foi o primeiro a entrar no carro, os três partiram. Depois de verificar que o problema no carro de Marta não era sua vontade própria e sim a bateria que havia descarregado, pois já era muito velha. Resolveu então que o melhor seria irem a cidade no carro dele, comprar uma nova bateria e assim fizeram.

Josué acabou até se esquecendo do episódio ocorrido na parte da manhã.
Aproveitaram e almoçaram na cidade, levaram Faísca ao veterinário que tomou sua primeira vacina e ganhou uma colerinha com seu nome, parecia estar todo orgulhoso.

Na volta, Josué trocou a bateria do carro que finalmente funcionou. Marta agradeceu por várias vezes prometendo fazer uma nova visita.

Quando chegaram a casa, assim que desceram do carro, Josué olhou para as coisas ali embaixo da janela e uma sensação de medo fez gelar seu estômago.

Pegou o livro e ficou por alguns minutos olhando, não viu nada de anormal a não ser o fato de que ele possuía capa dura, estar sem sem título e as folhas em brancoPegou a caneta e escreveu:
Um quilo de café
Uma torta de maçã
Um litro de vinho

Escrevia sem nem ao menos levantar a cabeça, porém quando finalmente teve coragem, levantou seus olhos e em sua frente sobre a mesa, cada item escrito estava ali. Assustado jogou o livro longe.

Passado parte do susto, ele se aproximou e cortou um pedaço da torta, levou até a boca e sentiu o delicioso sabor, realmente era uma torta de maçã, depois experimentou o vinho, cheirou o café, constatando que todos eram reais.

Pegou o livro do chão, colocou sobre a mesa assustado e ao mesmo tempo encantado com as possibilidades que o livro poderia lhe proporcionar.

Foi dormir, mas não conseguia parar de pensar no que estava acontecendo, então se levantou, pegou novamente o livro, queria ver até onde seria capaz de ir,então escreveu.

Meu jardim todo florido
Um dia de sol
E finalmente acrescentou com a mão trêmula, sem acreditar muito que poderia se realizar, mas mesmo assim escreveu.
Quero minha esposa viva aqui comigo.

Olhou ao redor nada aconteceu.
-Esse maldito livro só funciona para porcarias. Fechou o livro e foi para o quarto, zangado com consigo mesmo por acreditar em tão grande milagre.
Quando entrou no quarto e acendeu a luz quase desmaiou, ali sentada em sua cama estava sua esposa penteando os cabelos.

Ela olhou para ele e falou:
-Não vem deitar querido?
Ele não sabia se ria ou se chorava. Silvia notou sua aflição e correu até ele.
-Você está bem querido ? Venha se sentar, está tão pálido, parece até que viu um fantasma!

Ele a abraçou e ficou assim por um tempo, não queria soltar com medo que ela sumisse.
O dia seguinte foi de sol, o jardim estava florido e Silvia viva.
Os dias foram passando e Josué se sentia feliz, mas Silvia estava estranha.
-Querida, você está bem? Perguntou ele, mas com medo da resposta.

Não tenho conseguido dormir , por favor, não pense que estou louca mas ando vendo coisas.
-Que tipo de coisas meu bem?
-Sombras, vultos, não sei bem, ouço me chamarem, dizendo para voltar, não sei o que está acontecendo.

Um mês já havia passado e Silvia piorava, seu aspecto físico estava horrível, estava com grandes olheiras, não comia, não dormia, estava fraca e muito magra.
Josué estava desesperado, já não sabia mais o que fazer.

Então não suportando ver tanto sofrimento, tomou uma decisão.
- Foi até o quarto onde Silvia estava, beijo-a carinhosamente e disse-lhe o quanto a amava, pediu para que ela se deitasse que tudo iria passar.

Foi até a cozinha, pegou o livro e escreveu entre lágrimas:
Quero que minha esposa descanse em paz.
Então entrou no quarto e ela havia desaparecido.

Os dias seguintes foram de puro sofrimento e dor.
Até que Marta apareceu para uma visita e Josué teve uma idéia durante uma conversa com ela.
Pediu então a Marta para que ficasse com Faísca durante uns dois dias, pois precisaria viajar.

Claro que ela adorou a idéia, adorava o cãozinho e se sentia sozinha.
Faísca foi de bom grado, entrou no carro de Marta todo eufórico.

Quadro dias se passaram sem que Josué aparecesse para levar Faísca. Marta começou a se preocupar e resolveu ir até lá.
Naquele dia em que Josué ficou sozinho quando Marta foi embora, depois de muito pensar, resolveu que o melhor a fazer era escrever seu último pedido para o livro, então escreveu:
Quero ir para junto de minha mulher.

Marta chegou ao chalé, não havia ninguém. Notou que tudo estava como naquele dia em que ela havia levado Faísca, até sua xícara de café estava sobre a mesa, porém ela não encontrou nenhum vestígio de Josué.

Decidiu ligar para a polícia, deu o telefonema e ficou por ali aguardando a sua chegada. Nada foi encontrado, nenhum indício de crime, nenhum bilhete. O delegado disse que fariam uma busca na região, era tudo o que poderiam fazer.

Marta então chamou Faísca e foram para casa, quando estavam chegando, ela ouviu Faísca raspando alguma coisa no banco de trás do carro, se virou para olhar , ele brincava com um livro, ela esticou o braço pegou o livro e falou:
-Onde arrumou isso mocinho?
Deu uma rápida folheada, viu que estava todo em branco, pensou:
Bem pode ser um bom livro para minhas receitas.

Sete anos depois, em um cemitério, um caixão está sendo aberto para retirada dos ossos, e qual não foi a surpresa do coveiro e um familiar quando dentro do caixão haviam dois corpos, ambos intactos. O familiar reconheceu como sendo de Silvia e seu marido Josué. O caso misterioso virou manchete de jornal.

1 comentários:

Evelyn Tomaz disse...

Simplismente M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-O! Tocou-me profundamente, gostei ainda mais deste conto que o anterior. Parabéns, saibas torço pelo teu sucesso, usas muito bem as palavras, as coloca de forma tão especial que nos faz viajar, traz lágrimas aos olhos, realmente emocionante, ameiiiii. Sinto grande orgulho de ti, bjinhusssss. Amo vc!! =^.^=

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